A abertura
do Rock in Rio nesta sexta coincide com o 45º aniversário da morte de Jimi
Hendrix, ocorrida em 18 de setembro de 1970. Uma baixa irreparável para a
música, um artista de quem sempre se especula o que estaria fazendo hoje em dia. Ele teria a mesma idade de Mick Jagger,72 anos, um a menos que Paul McCartney, um a
mais que Keith Richards, artistas na ativa hoje, mas que vivem do seu glorioso passado.
Será que Hendrix estaria correndo o mundo apresentando Purple Haze, All Along
The Watchtower, Little Wing? Quem sabe, era tão criativamente inquieto quanto seus
citados pares na época em que se escreveu a cartilha do rock’n’roll.
Estou lendo Hendrix,
Setting The Record Straight, escrito em parceria por John McDermott com o
engenheiro de som de Hendrix, Eddie Kramer, mas infelizmente estou um pouco
aquém da metade e me vi compelido a escrever pela data histórica. No jornalismo
sempre nos pautamos por datas redondas ou por intermediárias como o caso, 45
anos. Não é um livro novo, é de 1992, tive acesso bastante tardio a ele, mas
difere de muitas biografias por mostrar a teia contratual em torno de Hendrix
por gente como Michael Jefferey, criador da estrutura administrativa da carreira
dele na América em troca de uma polpuda comissão de 40%. Jefferey jogou
para escanteio o baixista dos Animals, Chas Chandler, que descobriu Hendrix e o
levou para a Inglaterra, onde iniciou uma bem sucedida carreira europeia antes
de ser reconhecido em seu país natal, a América.
Eddie Kramer ajudou Hendrix a formatar sua
sonoridade a partir de indicações vagas que o músico lhe dava, incluindo a insistência
de criar sons que alegava ouvir em sonhos, como ter a ambiência do mar. Gravar era uma tarefa complexa para as
limitações técnicas dos primeiros discos, de 1967, registrados no Olympic Studios,
de Londres, com apenas quatro canais. Depois o Olympic foi o primeiro estúdio inglês
a ter oito canais, uma vantagem que até levou os Beatles a gravar algumas
coisas lá porque os estúdios da EMI ainda estavam em quatro canais.
Hendrix
nunca estava satisfeito com uma canção, o que obrigava a perigosas
reduções para abrir canais para mais e mais overdubs, com uma queda progressiva
de qualidade. Tanto ali quanto mais tarde na América, nos estúdios
Record Plant em Los Angeles e no Electric Lady Studios dele em Nova York,
Hendrix exigia que se gravasse tudo enquanto ele estava no estúdio. Uma vez deu
uma bronca no engenheiro Tony Bongiovi porque tinha desligado as máquinas. Bongiovi
disse que desligara porque ele não estava fazendo coisa alguma. “Não interessa,
bota pra gravar”, gritou. “E lá fui eu botar pra gravar e trocar fita após fita”,
disse ele.
Hendrix
tinha problemas para se concentrar numa coisa só, começava a gravar uma base,
interrompia, mandava mudar a fita para outra canção e assim ia. Kramer
desenvolveu um “método” para lidar com isso: desafiava Hendrix a fazer melhor,
o que o estimulava a manter o foco. Kramer conta que muitas vezes ele criava
alguma coisa que o engenheiro sentia que podia encaixar em outra música, aí
colocava e mostrava para Hendrix, que quase sempre aceitava, os dois tinham excelente sintonia. As jam sessions no
estúdio eram uma inspiração para criar muitas músicas, por isso a insistência em
que tudo fosse gravado, mesmo com exagero de mandar rodar o gravador quando
nada fazia. Talvez achasse que um raio inspirador podia atingi-lo e se dissipar
logo em seguida, antes que pudesse pedir para gravar.
Bongiovi fala
ainda que Hendrix sempre demorava a chegar porque estava na farra. Numa
sessão reservada para 19h às 7 da manhã, Hendrix apareceu de madrugada com um entourage de amigos. Muitas vezes Bongiovi, sem nada pra fazer,
caía no sono e era acordado pela guitarra de Hendrix em volume máximo, uma
sacanagem dele com o engenheiro.
Como pode
ver, o livro não fica no foco habitual das biografias de Hendrix de falar só
sobre o lado sexo e drogas. Até fala, na medida em que o consumo intenso de LSD
começou a prejudicar sua criatividade nos estúdios. Isso e a abundância de
supostos amigos nas sessões, na verdade hordas de parasitas que gravitavam em
torno de rock stars para conseguir drogas, agitos, trepadas, o que fosse.
Hendrix era
um negro que fazia rock’n’roll, algo bem pouco comum na América. Seu público
era branco em enorme maioria, os negros preferiam a cultura do soul e do funk. A
divulgação do trabalho dele esbarrava na questão racial, uma herança sombria da
escravidão. Havia um grande número de estações de música negra que não tocavam
as músicas de Hendrix por ser rock’n’roll. E muitas emissoras de pop rock o
boicotavam por ser negro, restavam as FMs, um formato ainda incipiente num
universo de emissoras em AM.
Hendrix era
um idealista que achava possível fazer uma ponte entre a música
negra e o rock, mas isso se mostrava difícil na prática. Ele também se desiludia
com o público nos shows, sempre instigando-o a tacar fogo na guitarra como fizera
no Festival de Monterey, o evento que lhe abriu as portas na América. Ele não
pretendia fazer aquilo, só decidiu quando viu dos bastidores o guitarrista Pete
Townshend quebrar sua guitarra e o baterista Keith Moon chutar sua bateria no
encerramento do The Who, a banda que o precedeu. Era uma grande oportunidade de
ser conhecido na sua terra natal, daí a performance incendiária, literalmente.
Foi uma
carreira tumultuada numa era de excessos. Hendrix lançou apenas três discos de
estúdio em vida. Após sua morte virou um excelente e mega explorado negócio com
12 álbuns de estúdio, 25 ao vivo e 23 coletâneas, além de singles, EPs e "piratas oficiais", a maioria com sobras que ele não considerou
adequadas para lançamento. Uma parte lançada por gravadoras que o tinham sob
contrato e depois pela irmã adotiva Janie Hendrix, que após anos de batalhas
judiciais, conseguiu ficar com todo o acervo e saiu relançando tudo. É a única
beneficiária dos milhões ganhos com este material porque o pai de Hendrix, Al,
é morto e o irmão legítimo Leon, foi excluído do testamento do pai, processou
Janie várias vezes, mas ela ganhou.
Coda: Jimi Hendrix morreu de overdose do sedativo Vesparax na casa de sua namorada Monika Dannemann, em Londres. Ele tomou nove comprimidos, ficou dopado e se afogou no próprio vômito durante o sono.
P.S. Desculpem os intervalos irregulares entre páragrafos e fotos. A ferramenta é muito doida.
Coda: Jimi Hendrix morreu de overdose do sedativo Vesparax na casa de sua namorada Monika Dannemann, em Londres. Ele tomou nove comprimidos, ficou dopado e se afogou no próprio vômito durante o sono.
P.S. Desculpem os intervalos irregulares entre páragrafos e fotos. A ferramenta é muito doida.
Grande Jama, belo texto para um cara que merece ser lembrado e ouvido diariamente. Sucesso sempre pra ti
ResponderExcluirO que mais gosto são as histórias dos músicos da cena inglesa, em especial os guitarristas, que entraram em crise existencial após a chegada de Jimi Hendrix. No primeiro show que ele se apresentou dando uma "canja" no show do CREAM fez Eric Clapton ficar mais perdido que filho de puta em festa do dia dos pais, e resto virou uma linda e deliciosa história de uma força da natureza, que tão inesperadamente teve seu começo se foi como uma sua brisa.
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